Blog da Sietar Brasil
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Por Lucy Linhares A questão da diversidade é fundamental no campo intercultural, porque diversidade significa democracia. “Quando pensamos em democracia geralmente pensamos em igualdade, mas uma igualdade que não é resultado da simples difusão de um único e dominante ‘padrão cultural’. Cidadania e Igualdade supõem o igual direito de diferentes grupos sociais de preservarem, desenvolverem e enriquecerem seus perspectivos patrimônios e projetos culturais. O contato intercultural, nesse projeto, ao invés de transformar-se em embate e dominação cujo resultado é uma síntese exclusiva e empobrecedora, constitui-se em instrumento estratégico de afirmação do universo humano, em sua diversidade e riqueza.” (Lucy Linhares para Centro Intercultura para a Cidadania – AFS / 1995) No intuito de abrir espaço para a discussão sobre a diversidade no Brasil, optamos por dar destaque ao XIII Festival Yawanawá, que acontece de 25 a 30 de outubro, no Vale do Juruá, no Acre. A programação inclui brincadeiras, festas e danças de mariri com a comunidade e convidados de todas as partes do mundo. Os participantes vão conhecer histórias da tradição Yawanawá, rituais de Uni (ayahuasca) e Humê (rapé) conduzidos pelos pajés Yawanawás e conviver com diversos líderes espirituais de diferentes linhagens indígenas do Brasil e de todo o mundo. Também, como parte da programação, são servidas comidas da culinária tradicional Yawanawá e exposições dos artesanatos da aldeia. Da família linguística Pano, o povo Yawanawá (gente queixada), habita imemorialmente as margens do alto rio Gregório, no Acre. Em 1984, os Yawanawá conseguiram demarcar sua terra, tornando-se o primeiro povo indígena a conquistar essa regularização no Estado do Acre. Essa conquista é fruto da intensa luta de suas lideranças e da pressão do movimento indígena junto à FUNAI. O festival tem grande importância sociopolítica, porque promove as relações internas e externas através de trocas culturais e simbólicas. Ele também tem um caráter espiritual, quando bebem o uni (ayahuasca), para se comunicarem com os espíritos dos seus ancestrais, a fim de obter ajuda para solucionar problemas. O festival Yawanawá é uma grande oportunidade de celebrarmos a diversidade étnica e cultural Brasileira! Os interessados em participar devem se inscrever página do Festival no Facebook. * Lucy Linhares é antropóloga, treinadora intercultural e uma das fundadoras da SIETAR Brasil. Por Cristiana Lobo A Conferência 2014 da SIETAR Brasil realizada no final de agosto, na FIA, foi um sucesso. O número de participantes dobrou em relação ao ano passado. Um dos destaques foi a participação do pesquisador americano Milton Bennett, referência internacional no estudo da interculturalidade. Milton é um dos diretores do IDRInstitute, com sedes na Itália e nos EUA, e tem Ph.D. pela University of Minnesota em Comunicação Intercultural e Sociologia. Por quinze anos, ele integrou o Departamento de Comunicação da Portland State University (EUA), onde lecionou cursos como Estudos da Comunicação e Consciência Intercultural, além de ter publicado diversos livros na área. Antes da conferência, foi realizado o workshop Fundamentos Construtivistas da Comunicação Intercultural, com duração de três dias. Milton ressaltou questões como a importância do auto-conhecimento, a empatia e a diferença entre os paradigmas construtivista, positivista e relativista. Nesta entrevista ele compartilha alguns dos aspectos abordados durante as aulas e a conferência. 1) Qual aspecto você considera mais inovador no seu trabalho de pesquisa sobre comunicação intercultural? Eu tento estimular o avanço da discussão para o próximo ponto. O que se entende por análise intercultural vem da idéia de Eduard Hall de construir categorias que nos permitem comparar culturas. Desde a sua origem, o trabalho intercultural é baseado no relativismo cultural. Existem muitos sistemas e instrumentos dedicados a caracterizar uma cultura A, uma B e o que acontece quando estas duas entram em contato. Desde meados dos anos 50, a análise da interação se tornou mais elaborada e mais sistemas foram criados. Mas, em muitos casos, os sistemas se tornaram descrições reificadas de culturas e, na minha opinião, esta não era a intenção original de Hall ou de outros antropólogos pós-relativistas. (Eles são “pós” porque ainda estão usando a relatividade cultural, mas não em sua forma pura. Estão mudando o conceito de relatividade para permitir esta interação.) Por causa dessa reificação, a análise cultural tornou-se um grande "money maker", o "core of the business." De acordo com o criticismo da comunicação intercultural, estes sistemas baseados na descrição e na comparação simplificam, "exotificam" ou romantizam outras culturas. Estes sistemas (em sua forma reificada) criam estereótipos. A questão não é que nós não devemos tentar entender outras culturas, mas temos que fazer isto de uma forma mais elaborada, em um contexto. Além de deixar claro que não estamos definindo uma cultura nos termos das nossas próprias categorias de observação. O risco é o de construir o nosso conceito sobre outras culturas orientados por sistemas que também foram construídos por nós. Ao reformularmos a principal atividade da interação intercultural em termos da construção da observação de outras culturas, evitamos a reificação e a projeção etnocêntrica. 2) Como você entende o conceito de "identidade cultural" a partir da sua posição construtivista? "Identidade cultural" é em si um ato dinâmico de observação. Estamos observando a nós mesmos em termos culturais, colocando-nos em categorias culturais (ou, em termos de percepção, estamos associando “self-boundaries” com certos “cultural boundaries”.) É uma questão de auto-observação, auto-conhecimento por meio da cultura. As pessoas podem realizar este processo de várias maneiras e em diferentes níveis e configurações, é possível que se tenha uma “multilayered identity”, por exemplo. Eu realmente acho que esta é uma forma interessante de pensar sobre a identidade em geral, não apenas a identidade cultural. De qualquer forma, não se trata de algo que nós temos, mas sim de algo que construímos. 3) Quais são as áreas de aplicação prática da comunicação intercultural? A comunicação intercultural já tem uma grande influência na educação: os professores sabem que não adianta apenas ensinar aos alunos sobre outras culturas ou simplesmente colocá-los em contato com estudantes de outros países. Eles precisam facilitar este processo, ensinar aos alunos como adaptar o comportamento, como ter uma experiência e não apenas absorver novas informações daquele contato com outra cultura. Esta mentalidade já influencia a educação internacional e está se tornando mais comum na educação. No ambiente global de negócios também é cada vez mais reconhecida a competência na área intercultural. A questão é o que se entende por competência. E existe um conflito entre a definição de competência da comunicação intercultural e da psicologia cross-cultural. A questão basicamente é como dirigir a investigação da comunicação intercultural dentro das organizações, se por meio de avaliação pessoal ou desenvolvimento intercultural. Se utilizarmos a avaliação pessoal, vamos essencialmente medir as características pessoais e fazer o treinamento de acordo com essas características. É uma visão ligada à psicologia e, geralmente, tem muita credibilidade nas organizações. No entanto, na minha opinião, o resultado desta abordagem não é tão bom quanto o desenvolvimento intercultural. Outra área de aplicação da comunicação intercultural são os serviços sociais, serviços de saúde, de imigração e todos os tipos de serviços sociais prestados por ONGs e pelo governo. A comunicação intercultural tem muito a oferecer nestas áreas, o que está sendo lentamente reconhecido. Os governos são os últimos a reconhecer abordagens interculturais, provavelmente porque eles são ocupados mais por pessoas com formações relacionadas a política e economia do que a comunicação ou outras teorias das ciências sociais. 4) Você criou uma ferramenta de avaliação. Como você vê o uso de ferramentas de avaliação em um treinamento? O IDI foi inicialmente criado para evitar o problema da definição de competência em termos de características pessoais. A competência não é algo que você tem ou não tem, mas algo que pode ser trabalhado. Não sou contra o uso de assessment, mas sou contra o assessment que depende do tipo errado de ferramenta. Se definirmos a competência intercultural em termos de características pessoais, em teoria, não seria possível o treinamento porque estaríamos lidando com algo que você tem ou não tem. Há muitos treinamentos baseados nestas ideias, o que cria muita inconsistência. Por exemplo, quando você mede uma mudança de uma característica pessoal, então você já não está tratando isto como uma característica pessoal permanente. Uma abordagem mais intercultural é um treinamento em que se pode construir alguma coisa. O lado positivo é que você pode fazer algo sobre isso, porque não se trata de uma característica que você tem. Por isso, não tentamos alterar as características das pessoas, e nós nem sequer tentamos ensinar as pessoas sobre outras culturas. Ambas as abordagens perdem o ponto principal, que é ensinar a agilidade da percepção. Devemos ensinar as pessoas a perceberem um novo contexto de forma mais complexa e a ter a capacidade de experimentá-lo com um comportamento alternativo. Precisamos avaliar esta capacidade e, na maioria dos casos, este tipo de avaliação só pode ser realizada por meio de entrevistas ou observação direta. 5) O que caracteriza um treinador intercultural bem sucedido? Vamos partir do princípio que coaches ou treinadores já tenham um conhecimento sofisticado das teorias da competência intercultural. Eles devem ser capazes de transmitir credibilidade para o público. O treinador deve ser alguém capaz de praticar o que ensina e o que ele ensina é a sensibilidade às diferenças, isto significa que temos que ser sensíveis às diferenças dos participantes. Nós mesmos precisamos nos adaptar ao contexto que estamos lidando durante um workshop. Um treinamento sem sucesso seria baseado apenas na teoria ou apenas na demonstração de exemplos. Também é importante ir além do "search for yourself" porque isso seria abrir mão do próprio papel de treinador, que é o de ensinar às pessoas a observar e interpretar as situações de uma forma que não haviam feito antes. 6) O que você observa quando chega em uma nova cidade/país ou um ambiente com uma nova cultura? Voltando a Edward T. Hall, ele tentou descobrir como usar a antropologia para ajudar as pessoas a se adaptarem melhor a uma outra cultura sem tentar "to make an anthropologist". A estratégia foi proporcionar às pessoas categorias de observação, tais como high/low context. Quando eu chego em um país com uma cultura nova para mim, como o Brasil, por exemplo, tento ter em mente as cinco categorias de observação. Lembre-se, o propósito da observação é “entrar” na experiência da outra cultura. Assim, por exemplo, eu posso observar imediatamente como as pessoas se cumprimentam, se as pessoas se beijam e como isso funciona. Mulheres beijam mulheres e homens também? Observo como isto funciona em termos de gênero, porque geralmente há variações sobre quem beija quem e quando. Observo se as pessoas se beijam após o primeiro encontro e se as mulheres o fazem mais do que os homens. Às vezes as pessoas dão apertos de mão, o que significa uma interação mais formal. Vejo se o aperto de mão ocorre no início, durante ou no final da interação e avalio o que acontece nesta interação. Se você fizer boas observações, é mais fácil entrar e sair das interações de modo confortável tanto para você quanto para seus anfitriões. O contato com os olhos também é muito importante, presto atenção à maneira como as pessoas usam seus olhos (ou não). O que eu percebi aqui no Brasil é que as pessoas falam de uma forma mais circular, o que me fez pensar "what’s the point?". Mas a chave, quando você tem um sentimento como este, é perceber que algo pouco familiar está acontecendo e que você deve adaptar sua percepção para entender o subtexto desta comunicação. Outra questão que eu notei é a da negociação espontânea que acontece em torno de decisões simples como a escolha de um restaurante ou a volta para casa. Isto se enquadra na categoria de estilos de comunicação, como as pessoas se organizam para trocar mensagens entre si. Percebendo este estilo, é mais fácil agir de acordo com o jeito brasileiro de planejamento. Também se pode observar o quanto se é direto ou indireto, o que tem a ver com o nível de expressão emocional que pode ser apropriado ou não de acordo com o contexto. No Japão, por exemplo, se você quer ser ouvido, você não deve ser muito intenso, porque uma alteração na voz é tão incomum que as pessoas se chocam. Estes são alguns aspectos que você deve prestar atenção se você quiser ter uma comunicação mais eficaz e uma experiência mais apropriada em outra cultura. Antes de vir para cá, eu li algumas coisas simples sobre o Brasil. Mas foram mais interessantes para observar em que as pessoas prestam atenção e não para seguir uma lista do que se deve ou não deve fazer. 7) Como você ajusta a sua comunicação para trabalhar com grupos mistos? Idealmente, devemos adaptar a nossa comunicação ao grupo que estamos lidando. Você precisa praticar o seu "code-shifting" o tempo todo. Você tem que agir dentro do próprio grupo como um mediador cultural, ajudando a compreensão entre os indivíduos e gerando uma integração. Se o grupo é mais concreto, como muitos grupos formados por americanos e asiáticos, você precisa dar mais exemplos, e se o grupo é mais abstrato, você pode usar os princípios mais abstratos. Quando eu estou lidando com os europeus do norte, por exemplo, tenho tendência a enfatizar mais os princípios abstratos do que exemplos. Se eu der muitos exemplos pode ser que eu escute, "obrigado, mas somos capazes de elaborar nossos próprios exemplos." Você não se torna uma pessoa diferente, mas você adapta seu estilo de acordo com o seu “expanded repertoire” para ser mais eficaz em uma situação particular. 8) Quais são as características de um líder com competência intercultural? Mais uma vez eu acho que há uma controvérsia entre o conceito de liderança em psicologia cross-cultural e a abordagem interculturalista. Muitas vezes a psicologia cross-cultural avalia as características de personalidade para identificar se um indivíduo “tem ou não tem” a competência intercultural. Já o interculturalismo considera a possibilidade de desenvolvimento da competência intercultural, em vez de apenas "ter ou não ter". Psicólogos cross-culturais enxergam a liderança em termos de características intrínsecas que podem ser medidas. O interculturalista aposta na capacidade da pessoa de modificar o seu comportamento em uma perspectiva alternativa. De acordo com esta visão, a competência intercultural não pode ser medida por testes de características pessoais. É difícil percebê-la, a menos que você esteja observando o indivíduo em uma situação em que ele mude o seu comportamento. Se você observa, por exemplo, um chinês em um grupo de chineses e não-chineses, você busca entre eles quem possui uma forma autêntica de mudança de comportamento do padrão chinês para outro padrão. Quando você sabe o que observar você percebe isto com muita facilidade. É o que eu chamo de agilidade de percepção, a capacidade de mudar de perspectiva, a capacidade de compreender o contexto de forma complexa. Assim, um bom líder em um contexto global precisa ter empatia com uma visão de mundo alternativa, além da capacidade de agir de forma complexa naquele contexto. Saber agir com complexidade é uma parte importante deste processo, mais do que aprender duas ou três dicas sobre como atuar em uma determinada cultura. Muitos bons líderes sabem reconhecer a complexidade de um contexto. A questão é se eles sabem reconhecer quando usar um outro “approach” em outro nível de complexidade. 9) Como você define empatia e qual é a melhor maneira de desenvolver esta habilidade? Uma das definições mais importantes é a distinção entre empatia e simpatia. A simpatia é a semelhança, uma vez que na empatia eu quero entender o seu ponto de vista, e para isto eu tenho que saber algo sobre você, sobre a sua cultura. É mais profundo, há a tentativa de experimentar a diferença mais do que simplesmente se basear na semelhança. Porque se eu simpatizo com você, eu provavelmente não vou tentar experimentar como este contato pode ser diferente, eu estou aceitando a semelhança. Se você me dissesse, por exemplo, que seu cachorro morreu e eu para mostrar solidariedade expressasse tristeza, você poderia me dizer "Não, na verdade ele estava velho e doente, nós lamentamos mas foi um alívio, porque ele estava sofrendo." Eu estava partindo do princípio de que a morte do cão tinha o mesmo significado para ambos, e nós fazemos isso o tempo todo, nós projetamos. Você deve perguntar, “Ah, o seu cão morreu? E como você responde a isso?” Como você se sente sobre isso?” Primeiro você vai da simpatia para a empatia, é quando você começa a lidar com as diferenças. Em seguida há o aspecto cognitivo, em que você tenta entender como determinada pessoa organiza a sua visão de mundo a partir de seu contexto e suas experiências. Então há o aspecto intuitivo, quando você tenta chegar o mais perto possível daquela visão de mundo e procura saber como a pessoa se sente sobre determinada situação. É como tentar expandir seus limites e tentar sentir o que a outra pessoa sente, mas a partir de ponto de vista dela e não do seu. É um pouco o que o terapeuta faz quando ele tenta entender o que o paciente sente sobre algo. Mas aqui o que fazemos é comunicação e não terapia. 10) Como desenvolver a empatia? Eu não acho que a empatia é uma característica pessoal, é uma habilidade que as pessoas podem aprender e usar com fins positivos ou negativos. Os sociopatas, por exemplo, podem ter esta habilidade mas usam com más intenções, são manipuladores. No entanto, quando usamos a empatia no caso da comunicação intercultural, o objetivo é melhorar a comunicação. E para isso você precisa ter auto-conhecimento. Você precisa saber o seu limite, a sua identidade. Se você não tem uma idéia clara do que é você e do que não é você, então você não pode fazer isto. Você precisa saber onde você acaba e o resto do mundo começa, porque o que eu vou fazer é mudar isso e eu não sei esses limites e eu não posso mudar. Você não pode conectar-se o tempo todo e pensar "oh, eu amo todo mundo", isto não é eficaz, não tem foco. Eu sou quem eu sou, porque eu mantenho certos limites que me conectam a outros aspectos sobre a cultura americana e outros da cultura italiana. Tenho qualidades pessoais que atribuo a mim mesmo, não necessariamente qualidades culturais. Eu tenho grupos de referência que me ajudam a determinar se eu sou parte deles ou não. As pessoas podem facilmente aprender a fazer esta "boundary shifting". Fazemos isso o tempo todo quando assistimos a filmes ou eventos esportivos. Além disso, é cada vez mais comum para as pessoas que fazem trabalhos com energia de cura, meditação, ou outros relativos a disciplinas “psycho/physical”. Estas práticas geralmente envolvem trabalhos com controle de “self-boundary”, que podem ser aplicados na prática da empatia intercultural. Por Cristiana Lobo “ (…) culturalmente aprendi muito; provavelmente desenvolvi mais uma parte de minha personalidade conversando com outras pessoas, outra cultura, numa universidade que tem muita gente diferente. Isso acabou desenvolvendo um Marcos mais evoluído, entre aspas. (…)” Este é um trecho da fala de um dos estudantes africanos entrevistados pela psicóloga Denise Figueiredo. A entrevista fez parte do material de pesquisa do seu novo livro Diálogo Intercultural, uma Experiência Transformadora, escrito em parceria com Rosa Maria Stefanini e recém-publicado pela editora Paco. Em 188 páginas ela registra sua dissertação de doutorado em Psicologia Clínica, na PUC-SP. A ideia do tema veio da observação da dificuldade de adaptação dos grupos de estudantes vindos da África no campus da universidade. “Percebi que eles estavam sempre isolados ou em grupos próprios, até divididos por etnias, mas nunca integrados com os estudantes brasileiros”. Para compreender as razões ela conversou com alunos das seis etnias presentes na universidade e estudou os fluxos de migração entre o Brasil e a África. A pesquisa mostrou que a falta de um programa adequado de adaptação que prepare tanto os estudantes brasileiros quanto africanos atrapalha o sucesso da experiência. Eles precisam lidar com questões difíceis como o preconceito velado ou aberto, a consequente dificuldade de integração e ainda entraves financeiros, já que o visto de estudante não permite trabalhar no país. A ausência de empatia de ambos os lados também foi constatada por ela. “É difícil para os estudantes brasileiros se colocar no lugar deles e vice-versa. Não há uma curiosidade, não há um reconhecimento do ‘outro’ diferente”. Levar o intercâmbio até o fim acaba sendo um desafio já que no Brasil eles vivenciam um preconceito que não é tão forte por lá. Na África, há separações relacionadas às etnias, mas muitos destes jovens nunca precisaram lidar com questões raciais tão fortes, segundo eles, quanto aqui. O principal estímulo destes estudantes é o peso que a passagem por uma universidade brasileira tem no currículo deles e o maior apoio vem do senso de comunidade, que é muito forte segundo a pesquisadora. “O que eu ouvi nas entrevistas é que na África, se você tem família você sempre terá apoio. E não apenas dos pais ou dos irmãos, mas de todos os membros da família, todos se responsabilizam por todos”. Além do senso de união, ela destaca nestes jovens características comuns como a alta resiliência, o poder de superação, a determinação e a seriedade com os compromissos assumidos. A leitura é um ponto de partida para repensarmos toda relação com nossas diferenças, nossos muitos brasis. Por Cristiana Lobo Atualmente, no mercado corporativo, já foram criadas diversas ferramentas específicas voltadas para a avaliação de competências, comportamento e características interculturais. A SIETAR Brasil já conseguiu catalogar mais de 15 opções, em geral, desenvolvidas por consultorias e institutos de pesquisa dedicados ao estudo do tema. As variações entre estas ferramentas de assessment interculturais estão relacionadas ao método de análise e à teoria de embasamento que dá origem a nomenclaturas e classificações diferentes. Os testes medem a capacidade de adaptação a um novo contexto cultural e mapeiam características como flexibilidade, individualismo, capacidade de negociação, comunicação, sensibilidade, gerenciamento de incerteza e busca por integração. O Intercultural Development Inventory (IDI), por exemplo, foi criado pelo interculturalista americano Milton Bennett, à frente do Intercultural Development Research Institute, em Milão. Apesar de ter elaborado esta ferramenta, Milton levanta a questão em seus cursos que a melhor pessoa para compreender um perfil seria o próprio interculturalista, já que o foco de seu estudo é centrado no autoconhecimento. Outra ferramenta é o Culture Compass, teste desenvolvido pelo Hofstede Centre em parceria com Itim International, baseado na teoria do holandês Geert Hofstede, um dos pioneiros da pesquisa intercultural comparativa. Após responder a um questionário que leva cerca de 15 minutos, o indivíduo recebe um resultado que classifica sua inteligência intercultural, aponta pontos fortes e possíveis dificuldades, assim como países mais e menos compatíveis de acordo com o seu perfil. Alguns testes possuem um ajuste de comentários de acordo com o objetivo em questão: negociações internacionais, estudar fora, transferência de tecnologia e informação ou relações entre etnias diferentes. Também é possível escolher o papel de líder ou subordinado, que altera a perspectiva das respostas. Um outro exemplo é o Intercultural Readiness Check (IRC), que avalia as competências de Sensibilidade Intercultural, Comunicação Intercultural, Construindo Engajamento e Gerenciando Incerteza. O papel do coach intercultural é de apoiar o cliente a desenvolver suas competências. O pressuposto é que competências (inclusive interculturais) podem ser desenvolvidas, como demonstrado pela psicóloga Carol Dweck em seu livro Mindset: The Pshycology of Success, How we can fulfill our potential. A escolha por uma ferramenta deve levar em consideração o objetivo da avaliação, já que cada teste tem um método e um padrão de resultado próprio. Alguns interculturalistas acreditam que a ferramenta mais precisa para trabalhar a adaptação a um determinado país seria desenvolvida por estudiosos do próprio país. Ou seja, se um indivíduo planeja se preparar para realizar uma negociação com uma empresa alemã, seria estratégico utilizar testes e ler dicas desenvolvidas por empresas alemãs especializadas em competência intercultural. Mas este ponto de vista não é um consenso. A tradução dos termos usados tanto no questionário quanto no resultado é outro aspecto importante destacado por alguns profissionais da área. Erros de tradução aparecem em alguns testes. Em alguns casos não são erros de tradução, simplesmente existem termos que não têm uma palavra ou expressão equivalente e fiel no outro idioma. Portanto, deve-se fazer um uso cuidadoso seja qual for a ferramenta escolhida. Aplicar um teste é apenas um ponto de partida, um complemento de um processo mais amplo de treinamento e/ou coaching para alcançar maior eficiência intercultural, seja de um indivíduo ou de um grupo. O resultado de um assessment é apenas uma orientação sobre o perfil do indivíduo avaliado e não uma descrição definitiva. O objetivo é contribuir para o processo de autoconhecimento do cliente e para o direcionamento do profissional, que vai adaptar vivências e casos ao seu perfil e dar espaço para questionamentos, inclusive quanto ao próprio resultado do teste. Por Cristiana Lobo Imagine que uma aluna de 12 anos da escola Jeniper Green, em Edimburgo, na Escócia, pode receber uma carta de um estudante da escola primária Isago, em Kimberley, na África do Sul, e saber quem foi Nelson Mandela. Ela compartilha a informação com a turma e a professora começa uma aula sobre o tema. Esta atividade é um exemplo do que o programa Connecting Classrooms, do British Council, pode proporcionar. O programa conecta escolas do mundo inteiro a escolas britânicas e prepara as crianças para o mercado de trabalho globalizado. Mais de 50 países participam e por meio do site é possível fazer a inscrição, escolher uma escola e ter acesso a sugestões de atividades e cursos. As escolas parceiras podem compartilhar suas práticas pedagógicas e fazer diversas atividades em conjunto. Ainda é possível filtrar características como o nível de ensino, o tamanho da escola, a localização urbana, etc. O Brasil já participa do programa e na versão em português do site do British Council estão todas as instruções detalhadas. Também se pode ler depoimentos de alunos e professores de escolas brasileiras que participaram, entre elas o Colégio Eccos, em São José dos Campos (SP), e a Escola Estadual José Chediack, em São Paulo capital. O inglês é a língua oficial já que o programa inclui escolas de diversos países. As atividades são desenvolvidas no Brasil em português, mas toda a interação com escolas parceiras é feita em inglês. Crianças e jovens discutem temas globais como meio ambiente e sustentabilidade, sempre trabalhados de forma interdisciplinar. É uma oportunidade de mostrar a cultura brasileira para o exterior e quebrar estereótipos sobre o país. O Connecting Classrooms também oferece cursos online e presenciais gratuitos de aperfeiçoamento para professores como Education for Global Citizenship, English for International Exchange, Inter-cultural and Global Awareness entre outros. Foi criado ainda o curso Liderança Escolar Connecting Classrooms, focado em diretores e gestores de escolas. No site é possível baixar a Revista Connecting Classrooms, com sugestões de planos de aula adaptados para escolas brasileiras que podem ser usadas como estão sugeridas ou adaptadas para a realidade da sala de aula. Um exemplo de atividade é a troca de informações e preferências sobre comida em um contexto global, finalizando com uma receita e uma experiência na cozinha. Outra é a discussão conjunta e comparações globais dos costumes e códigos morais locais, dentro da escola, casa ou país. Com este tipo de atividade estimula-se a formação de cidadãos globais, livres da visão etnocêntrica. Os professores brasileiros que participam do programa podem inscrever seu projeto pedagógico e se candidatar para receber um financiamento no valor de £1.500,00. Esta verba é uma ajuda de custo para uma visita de uma semana a sua escola parceira no Reino Unido. O projeto é uma iniciativa do British Council e não possui fins lucrativos. |
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